Reportagem

A imagem mostra uma cena composta por várias atividades acadêmicas e de pesquisa. No primeiro plano, à esquerda, há duas estudantes em um laboratório. Ambas estão usando jalecos brancos e óculos de proteção. O estudante em primeiro plano é uma mulher negra com cabelos presos. Ao lado dela, mais ao centro da imagem, está uma mulher de cabelos castanhos, concentrada em uma experiência de laboratório, usando luvas e segurando um frasco. No segundo plano, à direita, há um grupo de quatro estudantes sentados em carteiras de uma sala de aula, aparentemente prestando atenção em uma aula ou discussão. Eles estão em diferentes posições de atenção e reflexão. No centro da imagem, em destaque, há um tripé de câmera fotográfica, sugerindo a presença de gravação. Na parte inferior esquerda, há uma pilha de livros grossos e abertos. O fundo da imagem é dividido em duas cores: a parte superior esquerda é de cor terracota e a parte superior direita é de cor verde-clara. No lado direito da imagem, há um pequeno crédito que diz "Imagens: jcomp/Freepik e DCI/Unifesp".

O Que Há Por Trás do Muro: os desafios para a diversidade dentro da universidade pública


Por Agnes Arruda

O Censo da Educação Superior 2022, realizado pelo Ministério da Educação (MEC),estima que, no Brasil, há 22,5 milhões de jovens com idade entre 18 a 24 anos. Cabe ressaltar que esse número está contido em outro, e esse, sim, compõe um universo muito restrito: ainda de acordo com o Censo,



Com esses dados em mente, não é de se estranhar, afinal, que quase metade da população brasileira não faça ideia do que existe, nem do que se faz por trás dos muros de uma universidade pública.


Fosse só o desconhecimento, a preocupação com os números já se justificaria. No entanto, de 2014 a 2018, os cortes do governo federal no orçamento do ensino superior foram de 56%.


Além da redução de verba, de 2019 a 2022, as decisões do governo federal em relação ao ensino superior também interferiram na liberdade de cátedra e de autonomia universitária das instituições. Foi marcante, nesse período, o momento em que o então ministro da Educação declarou que a universidade pública deveria, na verdade, ser para poucos.

Esse descolamento com a realidade da população, entre tantos outros fatores, foi um dos responsáveis por conduzir as universidades públicas a uma situação de calamidade nos últimos anos.


Na Unifesp, por exemplo, os cortes afetaram as bolsas de estudo e pesquisa, a oferta de alimentação para os(as) estudantes e o pagamento de despesas básicas, como água e luz.


Tudo isso aconteceu debaixo dos nossos olhos até que a pandemia de covid-19 revelou o óbvio: sem as universidades públicas, que inclusive é responsável por 95% do conhecimento científico de todo o país, mesmo sendo apenas 12% das instituições do ensino superior no Brasil, a crise sanitária teria efeitos ainda mais graves que os já sentidos.


Foi a própria Unifesp, inclusive, que conduziu, no Brasil, os testes de eficácia da vacina produzida pela Universidade de Oxford, do Reino Unido.


Leia mais: Unifesp na linha de frente do combate à covid-19

A imagem mostra uma cena de vacinação. No centro, há um braço de uma pessoa com a pele escura, levantando a manga da camisa para receber a injeção. Uma profissional de saúde, que usa uma máscara, óculos de proteção e uma roupa de proteção branca, está aplicando a vacina no braço da pessoa.
Vacina sendo aplicada na Unifesp. (Fotografia: Alex Reipert)

Quase quatro anos depois e ainda enfrentando um conturbado cenário político-eleitoral que permitiu a alternância de governo, os recursos federais finalmente estão voltando para as universidades, assim como as políticas que garantem o ingresso e a permanência de estudantes de perfil diverso, em especial aqueles(as) advindos(as) de minorias sociais-, nas universidades públicas. 


E é justamente no quesito diversidade que os desafios são múltiplos e os resultados só poderão ser percebidos daqui a alguns anos, a exemplo do que estamos vendo, agora, com o aniversário de uma década da Lei de Cotas.


Na análise, entre erros e acertos, a certeza de que o caminho está “na articulação; no diálogo entre os saberes”, afirma Débora Galvani, pró-reitora de Extensão e Cultura da Unifesp.


“Passamos por um momento de compreensão da existência de diversas formas de produzir conhecimento e de se ligar com o mundo”, afirma. “Assim buscamos, cada vez mais, por esse diálogo.”

Uma fenda na estrutura

Instituídas no Brasil apenas durante o período da República, as universidades públicas sempre foram território de disputa e, durante muito tempo, foi para muito poucos. 


Isso porque o projeto de Darcy Ribeiro de uma universidade pública na qual as instituições são integradas, orgânicas e atuantes, e em que a cultura científica se integra às necessidades de profissionalização, foi interrompido no embrião:



Foi apenas a partir dos anos 2000, estruturado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, que o ensino superior público no Brasil começou a receber atenção por parte do Governo Federal, também mais de 20 anos depois da redemocratização.


A imagem mostra um grupo de oito jovens reunidos ao redor de uma mesa, em um ambiente que parece ser uma área comum de uma instituição educacional. Todos estão de pé ou sentados próximos uns dos outros, concentrados em um laptop sobre a mesa. O laptop está decorado com diversos adesivos coloridos. As pessoas têm estilos variados, com roupas casuais, algumas com tatuagens, piercings e acessórios distintos. No centro da imagem, um jovem com uma camisa floral está sentado, enquanto outros se inclinam para olhar a tela do laptop. A atmosfera parece ser de colaboração e troca de ideias. Ao fundo, há um mural ou parede com cartazes, e a iluminação é natural, sugerindo que o espaço tem aberturas para o exterior.
Estudantes reunidos na área de convivência do campus. (Fotografia: Alex Reipert)

Apesar disso, hoje as instituições públicas de ensino superior ainda representam apenas 12% da rede no país; e a Lei de Cotas, uma das principais políticas afirmativas do governo federal, têm tido seus resultados amplamente debatidos, em especial por conta do seu aniversário de 10 anos. 


Atualizada em 2023, a política dispõe sobre a reserva de 50% das vagas em cursos superiores de instituições federais de ensino para minorias historicamente excluídas.


Longe do ideal, mas já com uma alteração representativa no perfil dos(as) estudantes, estima-se que 1,1 milhão de pessoas de perfil diverso ingressaram no nível superior de ensino a partir da Lei das Cotas.

Assista:

Mesa do Sou_Ciência no Congresso da Unifesp debateu cotas nas universidades públicas

Cotas nas Universidades Públicas, um caminho para a superação do conservadorismo obscurantista

Webinário discute sobre o acesso e permanência da pessoa com autismo na graduação e pós-graduação

Webinários do EAF: Conversando sobre ações Afirmativas na pós-graduação

Presença de estudantes indígenas da pós-graduação

Webinários do EAF

Os desafios na pós-graduação


Se o ingresso na universidade pública já é um desafio para quem não teve acesso à educação básica e ao ensino médio de qualidade, nem se enquadra em alguma das categorias da Lei de Cotas, com o Plano Nacional de Permanência Estudantil, o Pnaes, o desafio é manter aqueles(as) que chegam dentro da universidade.


No Censo da Educação Superior 2022, outro dado também chamou à atenção:


Assim, chegar à pós-graduação, em especial à stricto sensu, ou seja, ao mestrado e ao doutorado, é um feito que apenas 0,8% da população brasileira alcançou. Quem apresenta o dado é a Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OECD).


Isso porque, mesmo concentrando a menor fatia de estudantes de graduação, as instituições públicas de ensino concentram 80% dos programas de pós-graduação no país, revelando, então, a estratificação socioeconômica da ciência do Brasil.


Cabe ressaltar que 90% dos programas melhor avaliados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) estão nas universidades públicas.


Diante desse cenário, o pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da Unifesp,  Fernando Atique, afirma que as ações dos próximos anos devem se direcionar à reconstrução desse sistema com vistas à diversidade. “O que vamos fazer nos próximos cinco anos vai determinar aquilo que vai acontecer nos outros 10”, afirma.


Atique explica que, com o passar dos anos, o perfil do(a) estudante de pós-graduação mudou, e que o período de quarentena por causa da covid-19 acabou afastando ainda mais os(as) potenciais ingressantes na pós-graduação.


Leia mais: Como a pandemia afeta a produção científica no Brasil


Isso porque investir na carreira de pesquisa no Brasil requer certa dedicação cujos retornos, muitas vezes, estão aquém do esperado. O fenômeno intitulado fuga de cérebros, por exemplo, quando, após se formarem, os(as) pesquisadores(as) buscam por outro país para poder ter chance de contratação, é uma realidade latente no Brasil.


“A pessoa estuda oito anos para conseguir um emprego onde?”, questiona Atique. “Os últimos anos, no Brasil, minaram a previsibilidade das carreiras.” Nesse sentido, o pró-reitor pondera para a pesquisa o que justamente tem sido apontado em relação às universidades públicas no geral: “não pode ser tão distante da população”.


Com a possibilidade de pessoas de perfil diverso ingressarem nas universidades, permitir que elas também cheguem à pós-graduação, “é a oportunidade que temos de ver gente formada e pensando em todas as áreas básicas, naturais e humanas, com enriquecimento de repertório”, afirma.


Nesse sentido, aqui na Unifesp, além da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis e Ações Afirmativas (Praepa/Unifesp), a relação entre ensino, pesquisa e  ações e programas de extensão têm se debruçado sobre meios de construir e devolver para a sociedade conhecimentos e práticas verdadeiramente alinhadas com suas necessidades e interesses.

Escadas e pontes


Débora Galvani, pró-reitora de Extensão e Cultura da Unifesp, explica que a Proec/Unifesp vem se debruçando na busca por estratégias metodológicas que incentivem ações transdisciplinares e entre os campi no enfrentamento de problemas contemporâneos. 


Como resultado concreto dessa política, a Unifesp realizou, em janeiro de 2024, a primeira seleção de ingressantes de seu novo curso, a Licenciatura Intercultural Indígena

A imagem mostra um grupo de homens indígenas reunidos em um ambiente interno, participando de uma atividade coletiva. Todos vestem camisetas brancas com inscrições verdes. Muitos estão com crachás pendurados no pescoço. Eles estão com os braços levantados, alguns com as mãos juntas, como se estivessem participando de uma celebração.
Estudantes da primeira turma do curso Licenciatura Intercultural Indígena da Unifesp. (Fotografia: Alex Reipert)

Conforme explica Ana Maria Gouw, pró-reitora de graduação da Unifesp, o curso é oferecido no Instituto de Saúde e Sociedade (ISS/Unifesp) - Campus Baixada Santista, e é destinado, mas não limitado, a professores(as) indígenas dos anos iniciais do ensino fundamental em escolas das próprias aldeias.


Surgido a partir de um projeto de extensão, o curso é uma resposta direta a uma necessidade social.



“Temos ensino, pesquisa e extensão com impacto nas políticas públicas, pondo em prática o que entendemos por inclusão e diversidade”, pondera Gouw, transparecendo otimismo com o que está por vir. Sim, o muro é alto, com escadas e pontes conseguimos passar por ele. 

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